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Portogallo
Concordata entre a
Santa Sé e a
República
Portuguesa
7 de Maio de
1940
Em nome da Santíssima Trindade.
Sua Santidade o Sumo Pontífice Pio XII e Sua Excelência
o Presidente da República Portuguesa, dispostos a regular por mútuo acordo e de
modo estável a situação jurídica da Igreja Católica em Portugal, para a
Paz e maior bem da Igreja e do Estado.
Resolveram concluir entre si uma solene
Convenção que reconheça e garanta a liberdade da Igreja e salvaguarde os
legítimos interesses da Nação Portuguesa, inclusivamente no que respeita
às Missões Católicas e ao Padroado do Oriente.
Para tal efeito, Sua Santidade nomeou seu
Plenipotenciário
Sua Eminência Reverendíssima o Senhor Cardeal
Luigi Maglione, Seu Secretário de Estado,
e o Senhor Presidente da República Portuguesa nomeou
Seus Plenipotenciários:
Sua Excelência o Sr. General Eduardo Augusto
Marques, antigo Ministro das Colónias, Presidente da Câmara Corporativa,
Grã-Cruz das Ordens Militares de Cristo, de S. Bento de Aviz e da Ordem
do Império Colonial;
Sua Excelência o Sr. Doutor Mário de
Figueiredo, antigo Ministro da Justiça e dos Cultos, Professor e Director da
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Deputado e Grã-Cruz da
Ordem Militar de Santiago da Espada;
Sua Excelência o Sr. Doutor Vasco Francisco
Caetano de Quevedo, Enviado Extraordinário e Ministro Plenipotenciário junto da
Santa Sé, Grã-Cruz da Ordem Militar de Cristo e Cavaleiro de
Grã-Cruz da Ordem de S. Gregório Magno;
os quais, trocados os seus respectivos plenos
poderes e achados em boa e devida forma, acordaram nos artigos seguintes:
A República Portuguesa reconhece a personalidade
jurídica da Igreja Católica.
As relações amigáveis com a Santa Sé
serão asseguradas na forma tradicional por que historicamente se
exprimiam, mediante um Núncio Apostólico junto da República Portuguesa e um
Embaixador da República junto da Santa Sé.
É garantido à Igreja Católica o livre
exercício da sua autoridade: na esfera da sua competência, tem a
faculdade de exercer os actos do seu poder de ordem e jurisdição sem
qualquer impedimento.
Para tanto, a Santa Sé pode livremente publicar
qualquer disposição relativa ao governo da Igreja e, em tudo quanto se
refere ao seu ministério pastoral, comunicar e corresponder-se com os prelados,
clero e todos os católicos de Portugal, assim como estes o podem com a Santa
Sé, sem necessidade de prévia aprovação do Estado para se publicarem e
correrem dentro do País as bulas e quaisquer instruções ou
determinações da Santa Sé.
Nos mesmos termos gozam desta faculdade os
Ordinários e demais Autoridades eclesiásticas relativamente ao seu clero e
fiéis.
A Igreja Católica em Portugal pode organizar-se
livremente de harmonia com as normas do Direito Canónico, e constituir por essa
forma associações ou organizações a que o Estado reconhece
personalidade jurídica.
O reconhecimento por parte do Estado da
personalidade jurídica das associações, corporações ou institutos
religiosos, canonicamente erectos, resulta da simples participação
escrita à Autoridade competente feita pelo Bispo da diocese onde tiverem
a sua sede, ou por seu legítimo representante.
Em caso de modificação ou de extinção
proceder-se-á do mesmo modo que para a constituição, e com os mesmos
efeitos.
As associações ou organizações a que
se refere o artigo anterior, podem adquirir bens e dispor deles nos mesmos
termos por que o podem fazer, segundo a legislação vigente, as outras
pessoas morais perpétuas, e administram-se livremente sob a vigilância e
fiscalização da competente Autoridade eclesiástica. Se, porém, além de
fins religiosos, se propuserem também fins de assistência e
beneficência em cumprimento de deveres estatutários ou de encargos que
onerem heranças, legados ou doações, ficam, na parte respectiva,
sujeitas ao regime instituído pelo direito português para estas
associações ou corporações, que se tornará efectivo através do
Ordinário competente e que nunca poderá ser mais gravoso do que o regime
estabelecido para as pessoas jurídicas da mesma natureza.
A Igreja pode livremente cobrar dos fiéis colectas e
quaisquer importâncias destinadas à realização dos seus fins, designadamente
no interior e à porta dos templos, assim como dos edifícios e lugares
que lhe pertençam.
É reconhecida à Igreja Católica em Portugal a
propriedade dos bens que anteriormente lhe pertenciam e estão ainda na
posse do Estado, como templos, paços episcopais e residências paroquiais
com seus passais, seminários com suas cercas, casas de institutos religiosos,
paramentos, alfaias e outros objectos afectos ao culto e religião
católica, salvo os que se encontrem actualmente aplicados a serviços públicos
ou classificados como "monumentos nacionais" ou como "imóveis de interesse
público".
Os bens referidos na alínea anterior que não
estejam actualmente na posse do Estado podem ser transferidos à Igreja
pelos seus possuidores sem qualquer encargo de carácter fiscal, desde que o
acto de transferência seja celebrado dentro do prazo de seis meses a
contar da troca das ratificações desta Concordata.
Os imóveis classificados como "monumentos nacionais"
e como "de interesse público", ou que o venham a ser dentro de cinco anos a
contar da troca das ratificações, ficarão em propriedade do
Estado com afectação permanente ao serviço da Igreja. Ao Estado cabe a
sua conservação, reparação e restauração de harmonia com
plano estabelecido de acordo com a Autoridade eclesiástica, para evitar
perturbações no serviço religioso; à Igreja incumbe a sua guarda
e regime interno, designadamente no que respeita ao horário de visitas, na
direcção das quais poderá intervir um funcionário nomeado pelo Estado.
Os objectos destinados ao culto que se encontrem em
algum museu do Estado ou das autarquias locais ou institucionais serão
sempre cedidos para as cerimónias religiosas no templo a que pertenciam, quando
este se ache na mesma localidade onde os ditos objectos são guardados. A
cedência far-se-á a requisição da competente Autoridade
eclesiástica, que velará pela guarda dos objectos cedidos, sob a
responsabilidade de fiel depositário.
Nenhum templo, edifício, dependência ou
objecto do culto católico pode ser demolido ou destinado pelo Estado a outro
fim, a não ser por acordo prévio com a Autoridade eclesiástica
competente ou por motivo de urgente necessidade pública, como guerra,
incêndio ou inundação.
No caso de expropriação por utilidade
pública, será sempre ouvida a respectiva Autoridade eclesiástica, mesmo sobre o
quantitativo da indemnização. Em qualquer caso, não será
praticado acto algum de apropriação sem que os bens expropriados sejam
privados do seu carácter sagrado.
São isentos de qualquer imposto ou
contribuição, geral ou local, os templos e objectos neles contidos, os
seminários ou quaisquer estabelecimentos destinados à formação do
clero, e bem assim os editais e avisos afixados à porta das igrejas,
relativos ao ministério sagrado; de igual isenção gozam os eclesiásticos
pelo exercício do seu múnus espiritual.
Os bens e entidades eclesiásticos não
compreendidos na alínea precedente não poderão ser onerados com
impostos ou contribuições especiais.
Os Arcebispos e Bispos residenciais, seus
coadjutores cum iure successionis e auxiliares, os párocos, os reitores dos
seminários, e em geral os directores e superiores de institutos ou
associações dotados de personalidade jurídica com jurisdição em
uma ou mais províncias do País, deverão ser cidadãos portugueses.
A Santa Sé, antes de proceder à
nomeação de um Arcebispo ou Bispo residencial ou de um coadjutor cum
iure successionis, salvo o que está disposto a respeito do Padroado e do
Semi-Padroado, comunicará o nome da pessoa escolhida ao Governo Português
a fim de saber se contra ela há objecções de carácter político geral. O
silêncio do Governo, decorridos trinta dias sobre a referida
comunicação, será interpretado no sentido de que não há
objecções. Todas as diligências previstas neste artigo
ficarão secretas.
No exercício do seu ministério, os eclesiásticos
gozam da protecção do Estado, nos mesmos termos que as autoridades
públicas.
Os eclesiásticos não podem ser perguntados
pelos magistrados ou outras autoridades. sobre factos e coisas de que tenham
tido conhecimento por motivo do sagrado ministério.
Os eclesiásticos são isentos da
obrigação de assumir os cargos de jurados, membros de tribunais ou
comissões de impostos, e outros da mesma natureza, considerados pelo
Direito Canónico como incompatíveis com o estado eclesiástico.
O serviço militar será prestado pelos sacerdotes e
clérigos sob a forma de assistência religiosa às forças armadas e,
em tempo de guerra, também nas formações sanitárias. Todavia o Governo
providenciará para que mesmo em caso de guerra o dito serviço militar se
realize com o menor prejuízo possível para a cura de almas das
populações na Metrópole e no Ultramar Português.
O uso do hábito eclesiástico ou religioso por parte
de seculares ou de pessoas eclesiásticas ou religiosas a quem tenha sido
interdito por medida das competentes Autoridades eclesiásticas, oficialmente
comunicada às autoridades do Estado, é punido com as mesmas penas que o
uso abusivo de uniforme próprio de um emprego público. É punido nos mesmos
termos o exercício abusivo de jurisdição e de funções
eclesiásticas.
É assegurado à Igreja Católica o livre
exercício de todos os actos de culto, privado ou público, sem prejuízo das
exigências de polícia e trânsito.
Para garantir a assistência espiritual nos
hospitais, refúgios, colégios, asilos, prisões e outros estabelecimentos
similares do Estado, das Autarquias locais e institucionais e das
Misericórdias, que não tenham capela e serviço privativo para este
efeito, é livre o acesso ao pároco do lugar e ao sacerdote encarregado destes
serviços pela competente Autoridade eclesiástica, sem prejuízo da observância dos
respectivos regulamentos, salvo em caso de urgência.
A República Portuguesa garante a assistência
religiosa em campanha às forças de terra, mar e ar e, para este efeito,
organizará um corpo de capelães militares, que serão considerados
oficiais graduados.
O Bispo que desempenhar as funções de
Ordinário Castrense será nomeado pela Santa Sé de acordo com o Governo.
Para as expedições coloniais poderá ser
nomeado Ordinário Castrense um Bispo que tenha sede na respectiva colónia.
O Ordinário Castrense pode nomear, de acordo com o
Governo, um Vigário Geral.
Os capelães militares serão nomeados,
de entre os sacerdotes apurados para os serviços auxiliares, pelo Ordinário
Castrense, de acordo com o Governo.
Os capelães militares têm
jurisdição paroquial sobre as suas tropas, e estas gozam, quanto aos
seus deveres Religiosos, dos privilégios e isenções concedidos pelo
Direito Canónico.
O Estado providenciará no sentido de tornar possível
a todos os católicos, que estão ao seu serviço ou que são membros
das suas organizações, o cumprimento regular dos deveres religiosos nos
domingos e dias festivos.
As associações e organizações da
Igreja podem livremente estabelecer e manter escolas particulares paralelas
às do Estado, ficando sujeitas, nos termos do direito comum, à
fiscalização deste e podendo, nos mesmos termos, ser subsidiadas e
oficializadas.
O ensino religioso nas escolas e cursos particulares
não depende de autorização do Estado, e poderá ser livremente
ministrado pela Autoridade eclesiástica ou pelos seus encarregados.
É livre a fundação dos seminários ou de
quaisquer outros estabelecimentos de formação ou alta cultura
eclesiástica. O seu regime interno não está sujeito à
fiscalização do Estado. A este deverão, no entanto, ser
comunicados os livros adoptados de disciplinas não filosóficas ou
teológicas. As autoridades eclesiásticas competentes cuidarão que no
ensino das disciplinas especiais, como no da História, se tenha em conta o
legítimo sentimento patriótico português.
O ensino ministrado pelo Estado nas escolas públicas
será orientado pelos princípios da doutrina, e moral cristãs,
tradicionais do País. Consequentemente ministrar-se-à o ensino da
religião e moral católicas nas escolas públicas elementares,
complementares e médias aos alunos cujos pais ou quem suas vezes fizer,
não tiverem feito pedido de isenção.
Nos asilos, orfanatos, estabelecimentos e institutos
oficiais de educação de menores, e de correcção ou reforma,
dependentes do Estado, será ministrado, por conta dele, o ensino da
religião católica e assegurada a prática dos seus preceitos.
Para o ensino da religião católica, o texto
deverá ser aprovado pela Autoridade eclesiástica e os professores serão
nomeados pelo Estado de acordo com ela; em nenhum caso poderá ser ministrado o
sobredito ensino por pessoas que a Autoridade eclesiástica não tenha
aprovado como idóneas.
O Estado Português reconhece efeitos civis aos
casamentos celebrados em conformidade com as leis canónicas, desde que a acta
do casamento seja transcrita nos competentes registos do estado civil.
As publicações do casamento far-se-ão
não só nas respectivas igrejas paroquiais, mas, também nas competentes
repartições do registo civil.
Os casamentos in articulo mortis, em iminência
de parto, ou cuja imediata celebração seja expressamente autorizada pelo
Ordinário próprio por grave motivo de ordem moral, poderão ser
contraídos independentemente do processo preliminar das publicações.
O pároco enviará dentro de três dias cópia
integral da acta do casamento, à repartição competente do registo
civil, para ser aí transcrita; a transcrição deve ser feita no prazo de
dois dias e comunicada pelo funcionário respectivo ao pároco até ao dia
imediato àquele em que foi feita com indicação da data.
O pároco que, sem graves motivos, deixar de enviar a
cópia da acta dentro do prazo incorre nas penas de desobediência
qualificada; e o funcionário do registo civil que não fizer a
transcrição no tempo devido incorrerá nas penas cominadas pela lei
orgânica do serviço.
O casamento produz todos os efeitos civis desde a
data da celebração se a transcrição for feita no prazo de sete
dias. Não o sendo, só produz efeitos, relativamente a terceiros, a
contar da data da transcrição.
Não obsta à transcrição a morte
de um ou ambos os cônjuges.
Artigo XXIV 1)
Em harmonia com as propriedades essenciais do
casamento católico, entende-se que, pelo próprio facto da celebração do
casamento canónico, os cônjuges renunciarão à faculdade civil de
requererem o divórcio, que por isso não poderá ser aplicado pelos
tribunais civis aos casamentos católicos.
O conhecimento das causas concernentes à
nulidade do casamento católico e à dispensa do casamento rato e
não consumado, é reservado aos tribunais e repartições
eclesiásticos competentes.
As decisões e sentenças destas
repartições e tribunais, quando definitivas, subirão ao Supremo
Tribunal da Assinatura Apostólica para verificação, e serão,
depois, com os respectivos decretos daquele Supremo Tribunal, transmitidas,
pela via diplomática, ao Tribunal da Relação do Estado, territorialmente
competente, que as tornará executivas e mandará que sejam averbadas nos
registos do estado civil, à margem da acta do casamento.
A divisão eclesiástica do Ultramar
Português. será feita em dioceses e circunscrições missionárias
autónomas. Dentro de umas e de outras podem ser erectas direcções
missionárias pelos respectivos prelados, de acordo com o Governo.
Os limites das dioceses e circunscrições
missionárias serão fixados de maneira a corresponderem, na medida do
possível, à divisão administrativa.
A vida religiosa e o apostolado missionário nas
dioceses serão assegurados pelo respectivo Bispo residencial, e nas
circunscrições missionárias por corporações missionárias.
As corporações missionárias reconhecidas
estabelecerão em Portugal continental ou ilhas adjacentes casas de
formação e de repouso para o seu pessoal missionário. As casas de
formação e de repouso de cada corporação constituem um único
instituto, subsidiado pelo orçamento da Metrópole.
Às dioceses e circunscrições
missionárias, às outras entidades eclesiásticas e aos institutos
religiosos das colónias, e bem assim aos institutos missionários, masculinos e
femininos, que se estabelecerem em Portugal continental ou ilhas adjacentes, é
reconhecida a personalidade jurídica.
As dioceses e as circunscrições missionárias
serão subsidiadas pelo Estado.
Os Ordinários das dioceses e circunscrições
missionárias, quando não haja missionários portugueses em número
suficiente, podem, de acordo com a Santa Sé e com o Governo, chamar
missionários estrangeiros, os quais serão admitidos nas missões
da organização missionária portuguesa, desde que declarem submeter-se
às leis e tribunais portugueses. Esta submissão será a que convém
a eclesiásticos.
Quando dentro de cada diocese ou
circunscrição missionária forem estabelecidas novas direcções
missionários, a nomeação dos respectivos directores, não podendo
recair em cidadão português, só será feita depois de ouvido o
Governo Português.
Todos os missionários, do clero secular ou de
corporações religiosas, nacionais ou estrangeiros, estarão
inteiramente sujeitos à jurisdição ordinária dos prelados das
dioceses e circunscrições missionárias, no que se refere ao trabalho
missionário.
São consideradas em vigor as
disposições da Concordata de 21 de Fevereiro de 1857, ressalvadas pela
Concordata de 23 de Junho de 1886, e as da Concordata de 23 de Junho de 1886,
umas e outras na parte não atingida por acordos posteriores,
designadamente pelos de 15 de Abril de 1928 e de 11 de Abril de 1929 e por esta
Convenção.
Se vier a surgir qualquer dúvida na interpretação
desta Concordata, a Santa Sé e o Governo Português procurarão de
comum acordo uma solução amigável.
A presente Concordata, cujos textos em língua
portuguesa e em língua italiana farão igualmente fé, será ratificada e
entrará em vigor logo que sejam trocados os instrumentos de ratificação,
salvo na parte cuja execução depende de legislação interna
complementar da República Portuguesa, em que entrará em vigor só com essa mesma
legislação. A entrada em vigor desta não poderá diferir-se além
do prazo de dois meses a contar da ratificação.
Feito em duplo exemplar.
Cidade do Vaticano, 7 de Maio de 1940
L. X S. L. Card. Maglione.
L. X S. Eduardo Augusto Marques.
L. X S. Mário de Figueiredo.
L. X S. Vasco Francisco Caetano de Quevedo.
Notas:
1) Alterado através do Protocolo Adicional
à Concordata entre a Santa Sé e a República Portuguesa de 7 de Maio de
1940, assinado no Vaticano em 15 de Fevereiro de 1975, aprovado para
ratificação pelo Decreto n.º 187/75, de 4 de Abril.